A Veneza do século XVI era uma cidade farta, cosmopolita e fervilhante, famosa pela beleza e estilo de suas mulheres. Como local chave para o comércio entre a Europa e o Oriente a República de Veneza não só era acariciada pela fortuna como tinha acesso às novidades, influências e luxos de outros lugares .
A chamada “joia sobre as águas” era um paraíso de hedonismo em, seus palácios, celebravam-se as artes, a cultura e festas esplêndidas .Criadas como pérolas raras entre toda essa ostentação , as mulheres
venezianas representavam o cúmulo do chique decadente – foram elas que criaram a moda de “lavar a cabeça” (leia-se, pintar o cabelo ao sol ) , criando as famosas nuances acobreadas do louro veneziano .
Entre elas, destacavam-se as famosas cortegiane (cortesãs), mulheres deslumbrantes, de fina educação, que serviam de companhia para os venezianos poderosos e dos forasteiros privilegiados que pudessem
pagar pelo serviço. (lembram as Hetairas gregas e as Gueixas japonesas) As mulheres, que se dedicavam a essa vida, dividiam-se em duas classes: a cortigiana oneste (“cortesã honesta” ou “honrada”) e a cortigiana di lume,
a prostituta comum. Entre as garotas da primeira designação Veronica Franco foi talvez a mais famosa .
Nascida em 1546, Veronica Franco era filha de uma cortesã honrada aposentada, Paola Fracassa que insistiu para que a filha recebesse educação igual a dos seus três irmãos. Ela estudou com professores particulares – um privilégio vedado às de boas famílias, educadas apenas para o casamento . Já na adolescência, Veronica se casou com um médico abastado, mas a união foi um fracasso e Veronica pediu o divórcio, entretanto, as leis não permitiam que pudesse reaver seu dote . Optou por empregar a educação recebida como cortigiana onesta .
Então, aos 20 anos, figurava no catálogo “di tutte le principale piu honorate cortigiane di Venezia”. Documento que apresentava as melhores cortesãs de Veneza e seus honorários.
Aos 25 anos, no auge do sucesso, juntou-se ao salão literário de seu patrono Domenico Vernier, poeta e magnata,
tornando-se membro dos “literati veneziani”, onde participava de discussões e antologias – como poetisa e editora. Em seguida, em 1575, publicou Terze Rime, uma coleção que incluía 17 poemas da sua autoria e versos dedicados à ela. Muitos dos textos de Veronica Franco celebravam abertamente à sua condição de cortesã e tinham um conteúdo atrevido; outros defendiam os direitos de sua classe e das mulheres de modo geral, ou respondiam às tentativas de provocação a ela dirigidas . Veronica era, ainda, uma intérprete talentosa: sábia musicista, tocando admiravelmente alaúde e spinetta (uma versão italiana do cravo). Com uma mistura de esperteza, ousadia, inteligência e discrição, a ragazza revelava-se defensora de uma certa moral e modéstia femininas . Durante um surto de peste, Veronica foi obrigada a deixar a cidade por dois anos. Quando regressou, viu os seus bens saqueados. Mais tarde, um pretendente despeitado denunciou-a à Santa Inquisição com falsos testemunhos de bruxaria – um problema comum para as cortesãs venezianas, frequentemente acusadas de corromper os bons costumes . Eloquente, defendeu-se com graça e habilidade, ganhando a causa . Mas, a sua fortuna e reputação nunca se recuperariam do ocorrido . Até a morte levou uma existência relativamente obscura, pouco facilitada pelos seus conterrâneos: viu ser recusado o seu projeto de criar um lar para mulheres desvalidas, cortesãs retiradas e seus filhos .