Ao falar de mulher como não pensar na beleza feminina? E mais uma vez voltamos os olhos à Grécia, Homero (sec. VIII- VII a. C.) na Ilíada, (III,v.133-142) nos fornece uma justificação implícita da Guerra de Tróia a irresistível Beleza de Helena capaz de absolvê-la dos lutos que causou. Seria esta, talvez, a primeira referencia a beleza feminina de uma mulher real? Teria sido Helena a musa inspiradora de um amor que levaria a guerra?
Ainda na Antiguidade grega vejamos o que disseram filósofos e poetas sobre o Belo. Para os filósofos gregos a Beleza estava quase sempre associada a outras qualidades, os gregos abriram o caminho para as futuras especulações sobre o conceito do belo. Senão vejamos: para Teógonis, (séc. VI a.C.) (Elegias I) Kalon é aquilo que agrada e atrai o olhar, “..aquilo que é belo é amado, o que belo não é, não é amado”. Eurípides (séc V a.C.) (As Bacantes. III) “...o que é belo é sempre desejável” Xenofonte (séc V-IV a.C.) (Memorabilia/ Memórias de Sócrates ) legitima a práxis artística em três categorias estéticas: Beleza Ideal, representando a natureza através da montagem das partes; Beleza Espiritual; exprimindo a alma através do olhar; Beleza útil ou funcional. Sócrates afirma que as coisas belas são boas, num diálogo com o escultor Clíton afirma, “...logo, o escultor deve revelar através da forma exterior a atividade da alma” . Outras duas concepções foram elaboradas através dos tempos: Beleza como Harmonia e Proporção das partes (derivada do matemático Pitágoras) devemos a Platão a afirmação desses conceitos (séc V-IV) (Timeu V) “...e o mais belo dos laços é aquele que, na medida do possível, faz de si e das coisas afins uma coisa só: ora, a proporção realiza isso de modo belíssimo”. O princípio da Kalokagathía se expressa pela harmonia das formas e a bondade da alma cuja maior expressão pode ser encontrada na poetisa Safo (séc. VII-VI a.C.) que ora reproduzo:
Kalokagathia
Eu digo: belo é o que se ama
E explica-lo é muito fácil:
Escolheu como seu homem, o melhor
Aquele que apagou a luz de Tróia
Quem é belo
o é quando naquele instante está diante dos olhos.
Quem também é bom,
O será agora e sempre.
Quem nunca se virou para olhar e admirar uma figura masculina ou feminina? Quem nunca escutou a frase fulana ou sicrano nada tem de beleza, mas é caridoso ou é prestativo? Quem nunca admirou uma bela paisagem? Quem nunca desejou um objeto considerado belo, um quadro, uma gravura, uma escultura ou um livro de bela encardenação?
Mais uma vez retornamos a civilização grega. A mitologia primitiva é a língua poética que servia aos povos antigos para explicar os fenômenos naturais. Sim, existe uma linguagem mitológica que apresenta a natureza exterior como forma visível de personalidades divinas, entretanto , tais alegorias não eram forma particular à arte, era também parte da linguagem usual. Exemplificando: o sol, para os antigos, era um brilhante deus em eterna luta contra a escuridão, noite. Os raios que o céu despejava era Júpiter a vingarem-se, os fenômenos físicos confundiam-se com as personificações divinas com poderes morais. As diversas fábulas explicavam esses hábitos alegóricos da linguagem, assim, cada rio era um deus e cada regato uma ninfa, se corriam na mesma direção era porque se amavam, e caso viessem a encontrar- tratava-se de himeneu (desejo) .
O estudo da mitologia pode ser feito de diversos modos, mas, interessa-nos a mitologia artística cujo objetivo não está nas origens, mas nos resultados. Os gregos deram aos deuses a forma humana, pois segundo o escultor Fidias a forma humana é a mais perfeita que se conhece. Com a supremacia da religião cristã as estátuas dos deuses foram abandonadas , apesar de sua beleza , pelas relíquias dos santos , sequer sua beleza as salvou do anátema pronunciado contra os ídolos . Por mil anos tudo produzido pela antiguidade foi mal conhecido e esquecido e muitas vezes destruído .
Na Teogonia de Hesíodo , Afrodite nasceu da espuma marinha formada pelos testículos cortado de Urano por seu filho Cronos . Afrodite é filha da espuma-esperma (aphros) que boia no mar. Afrodite emergiu das águas apoiada numa grande concha de madrepérola (útero) , ilustrando a associação da fecundidade e o prazer sexual que passa a noção de prosperidade e sorte , que os zéfiros (ventos) leves a empurraram para as praias da ilha de Cítera . Afrodite passa a ser venerada sob diversos aspectos , mas sempre como a deusa da beleza que preside os prazeres do amor . Afrodite Urânia ou Celeste é a deusa das uniões legítimas, em Platão deusa do Amor puro , celeste , próprio às almas nobres . A esta se opõe a Afrodite Paudêmia , ou deusa do Amor vulgar , sensual . Dois amores a acompanham Afrodite: o Amor primitivo (Eros) que desemaranhou o caos e o desejo que aparecera no mundo ao mesmo tempo em que o primeiro ser sensível. Afrodite na Mitologia Romana toma o nome de Venus .
“O nascimento de vênus” 1485-1846 Sandro Botticelli tempera sobre tela. 1.72 x 2.78 Galeria Degli Uffizi Comanda de Lorenzo di Pierofrancesco de Medici para a Villa Medicea di Castelo.
Sandro Botticelli
Estátua representando a deusa Venus Período Helenístico
As artes sofreram profundas mudanças graças ao humanismo renascentista e o renovado interesse pela antiguidade clássica. Tanto o enfraquecimento do poder da Igreja como senhora absoluta do movimento artístico, quanto a evolução do mecenato secular significou um renascimento dos mitos e imagens mitológicas. Entretanto o artista Renascentista observava a convenção, um legado da conotação de vergonha ligado ao nu , fato que tornava a representação do nu per si , impensável , a solução foi utilizar-se dos temas da antiguidade como álibi para as representações sensuais ou seja , harmonizando no presente as ideias medievais com o humanismo dos séculos XV e XVI.
Escolhi para análise comparativa duas obras da mesma época do renascimento veneziano: “A Venus adormecida” de Giorgione e a “Venus de Urbino” de Tiziano. Mas quem são esses pintores ? Que importância tiveram ? Porque são admirados ainda hoje ? Recorremos mais uma vez ao historiador Giorgio Vasari (Vasari, Giorgio. Lives of the artists.Trad. George Bull. V.I)
Giorgio da Castelfranco, sua cidade natal, conhecido mais tarde como Giorgione , devido sua aparência física , e estatura moral e intelectual , nasceu em 1478. Cresceu em Veneza, costumava cantar em saraus musicais, muito talentoso, excelente desenhista, era profundamente apaixonado pelas belezas da natureza, que representava em suas obras, diretamente da observação, portanto, foi o primeiro pintor da chamada Escola Veneziana , ultrapassando seus mestres , Gentile e Giovanni Bellini. Giorgione adotou do pintor Leonardo da Vinci , a sutil transição de cores e tonalidades bem como a sensação de relevo é delineado pelas sombras . O pintor faleceu aos 34 anos em 1510 .
O que nos diz nosso amigo historiador Vasari de Tiziano da Cadore ?
Tiziano nasceu em Cadore , distante 5 milhas do passo dos Alpes , em 1480 . Sua família Vecelli era uma das mais nobres do distrito , portanto , cresceu um menino de fina educação e inteligência aguçada . Aos 10 anos passou a morar e Veneza , com um tio , cidadão veneziano respeitado que ao perceber em Tiziano Vecelli a vontade de ser pintor, o encaminhou ao Ateliê do famoso pintor Giovanni Belinni . Logo mostrou que a natureza o dotara das qualidades de inteligência e critério necessários a arte de pintar . Desenhar constantemente no papel permitia ao artista aprender como desenhar e pintar com facilidade para executar sua obra final , pois , ao adquirir experiência desenvolve uma perfeita apreciação e estilos próprios. Com razão, afirmava Leonardo da Vinci , que o desenho era a mãe de todas as artes.
Sua casa em Veneza era visitada por príncipes , homens de letras , cidadãos eminentes moradores ou visitantes da cidade . Tiziano , além de eminente pintor , era um cavalheiro de família distinta e cortês de maneiras . Vasari o visitou em 1566, e apesar da idade avançada o encontrou ocupado com suas pinturas e as mãos tomadas de pincéis. Tizano faleceu em 1576 aos 96 anos .
Vamos analisar como Vênus tornou-se o ícone de beleza para artistas plásticos como Giorgione, Tiziano para citar alguns . Mas, devemos lembrar que a beleza tanto pode ser física quanto do espirito , já vimos , acima. Escolhemos as artes plásticas para mostrar nosso objetivo, mas musas inspiradoras existem em outras linguagens artísticas como na literatura e na música. Beatriz foi a musa inspiradora do poeta Dante Alighieri e a primeira mulher de poesia italiana de todos os tempos ; O poeta Francesco Petrarca ao se deparar na Igreja de Santa Clara em Bolonha , a 6 de abril de 1327 com uma bela jovem , apaixonou-se e deu-lhe o nome de Laura a quem passa a dedicar inúmeros poemas . Laura foi sua musa inspiradora. Na coletânea de poesias de Petrarca , o poeta canta seu amor por Laura viva e Laura morta .
Ai, o rosto formoso, o suave olhar
Ai gracioso e o nobre altivo porte!
Ai a fala que os duros abrandava
E ao mais vil dos mortais enobrecia!
E ai, doce riso, donde veio o dardo
De que morte outro bem não mais espero!
Alma real, digníssima de império,
Se já tão tarde não baixara ao mundo
Por vós convém que eu arda e em vós respire
Que vosso fui, e hoje de vós privado,
Nenhuma outra mágoa já me dói.
De esperanças me enchestes e desejos
Quando, em vida, deixei o sumo do bem:
Mas o vento levava-lhe as palavras.
(CANCIONEIRO CCLXVII)
Richard Wagner compositor alemão de belas obras operísticas , também teve sua musa inspiradora . Vejamos onde encontra-la . Uma lenda medieval conta a história de um amor impossível , trágico e transcendental , porque só a morte seria capaz de unir os apaixonados , Tristão um guerreiro da Cornualha e a bela jovem irlandesa Isolda prometida a rei Melke . Wagner compôs a ópera Tristão und Isolde aproveitando a forma musical para a narrativa da lenda dessa história de amor . Wagner a época estava apaixonado por Mathilda Wiesendock , uma dama casada, portanto um amor impossível , talvez trágico para Wagner , pela inviabilidade de concretiza-lo . O compositor através da música externou seus desejos , sua paixão , suas angústias nas belas frases musicais e nas árias vigorosas que pontuam os sentimentos das personagens . Uma das melodias que tocam a emoção é o Preludio e Liebstod narrando a morte de Isolda . Se puder entre no YouTube para ouvi-la . Para mim é uma das mais bela e romântica das óperas de Wagner . Não devemos deixar de lembrar-se da peça Romeu e Julieta de William Shakespeare , (1564-16160) também uma história de amor trágico , fomentado pela disputa insana de duas famílias , os Capuleto e os Montecchio que tem como cenário a cidade italiana de Verona. O grande amor dos jovens amantes termina em morte. Acredito que a musa inspiradora é o próprio amor que une os amantes.
Ao final da peça estão narrados os incidentes de tais amores , a falsa notícia da morte de Julieta , e Romeu que veio ao mausoléu ignorando a falsa morte se envenena para morrer e repousar junto a sua amada Julieta. Ela ao ver seu Romeu morto também se mata com uma adaga. Eis a inspirada fala ao final da obra:
Romeu e Julieta 1884 Frank Dicksee Representa a separação dos amantes,
Príncipe de Verona: “onde estão esses inimigos ? Capuleto ! Montecchio !
Vede o flagelo que caiu sobre o vosso ódio e como os céus acharam meio de, pelo amor, destruir vossas alegrias! E eu por haver tolerado vossas discórdias , perdi , também dois parentes! Todos fomos punidos.”
“uma lúgubre paz acompanha esta alvorada. O sol não mostrará seu rosto por causa de nosso luto. ....... Uns serão perdoados e outros punidos, pois nunca houve história mais triste do que esta de Julieta e Romeu.”
.............
Aqueles que desejarem procure ver o filme Romeu e Julieta dirigido por Franco Zefirelli , a película é um primor de cenografia, guarda roupa, música e fiel aos diálogos do autor é um prazer para os olhos!